Tenho formação em ciências econômicas e me especializei em ordenamento ambiental e em recursos hídricos. E em meados de minha formação em Economia, rompi com o pensamento vigente naquela área e me dediquei a estudar as interações entre sistemas econômicos e o corpo de Gaia a partir de uma base não-convencional, utilizando a teoria do caos. Corpo de Gaia se refere a Terra vista como um organismo vivo, autorregulador. Por conta da minha aproximação com o ecofeminismo e desta minha ligação com as questões ambientais que data desde 2005, acabei chegando no culto a deusa (Algo que chamo de Neotheaísmo), principalmente a partir de 2018, embora tenha recebido este chamado desde 2012. Em 2013 entrei em contato com o pensamento de Deleuze e Guattari, mais especificamente com o conceito de rizoma no livro Mil Platôs. No entanto, somente em meados de 2020 fui entrar em contato com a ideia de Esquizoanálise e na construção do meu Corpo sem órgãos (CsO), ou seja, de uma concepção rizomática a meu respeito. A esquizoanálise é uma prática clínica com fins micropolíticos. Além de terapêutica, uma medida de autocuidado mental, visa ao mesmo tempo encontrar-destruir as capturas morais, institucionais etc que limitam a vida das pessoas, encontrar o desejo intensivo e inseri-lo na sociedade, visando alterar o diagrama de forças a fim de provocar uma mudança nas relações que implique numa mudança maior. E uma das estratégias da Esquizoanálise consiste em questionar os acontecimentos cotidianos para ver o que se esconde neles, encontrar o desejo intencional e pressioná-lo a fim de encontrar suas razões. Enquanto o desejo intencional aprisiona (A busca pelo cumprimento de metas, aquisição de objetos, status, sujeitos etc), adoece e está condicionado a uma subjetividade capitalística, as razões de qualquer desejo intencional, as razões pelas quais fazemos as coisas, o desejo intensivo seria o elemento não apenas criativo, produtor, que traz alegria, mas revolucionário, libertador, curador, que não se curva e não se deixa capturar e que está escondido por trás de nossas intenções, portanto, também revolucionário. A realização das metas, objetivos e aquisições se torna secundário, acidental. Se acontecer, tudo bem!
Então, levando em consideração o acontecimento em minha vida que era o culto a deusa, partindo do pressuposto que existia em mim um desejo de cultuar a deusa-mãe, questionei o que queria este desejo em mim. A resposta então foi, compor e somar com o feminino. Enfim, minha ligação religiosa com a deusa se dava porque algo inconsciente em mim queria compor, funcionar de alguma forma com o feminino e por isso, a cultuava. Este era meu desejo intensivo, uma espécie de Dharma, de papel na criação, uma razão para viver e para morrer, um modo de vida. Todos possuem um desejo intensivo, um campo de intensidade, mas na maioria das vezes encontra-se escondido, oculto no acontecimento. Na Esquizoanálise, tudo que soma forças com o desejo intensivo a) deve ser acolhido e tudo aquilo que não soma forças ou se opõe ao desejo intensivo deve ser b) ajustado a este e se não for possível realizar este ajuste, c) deve ser abandonado. Isso porque seria antiético, justamente por ir contra você e, portanto, lhe prejudicar, acolher algo que não compõe com seu desejo intensivo. À medida que este processo se desenrola, a situação se torna estranha, pois o desejo se parece mais com um fio estendido e nele pendurado uma variedade de coisas aparentemente sem relação entre si, mas que o reforça. A partir deste momento passei a ajustar tudo o mais a este desejo, tratei de afirmar o que compunha, somava com este desejo, eliminar o que não compunha com este desejo e a incorporar outros elementos que foram aparecendo e que compunham com este desejo. Foi assim que minha escrita foi se firmando neste campo do feminino. Basicamente sou meu desejo intensivo e aquilo que se soma a ele, sou o desejo de compor e somar com o feminino e tudo que afirma, se alia, realiza este desejo. Enfim, isso tudo foi constituindo num agenciamento em mim e na própria descoberta, senão construção do meu CsO.
Quando peguei este mapa rizomático, este desejo intensivo com seus aliados e o coloquei por cima, sobrepus o meu programa de ciências econômicas ocorreu aquilo que Deleuze e Guattari chamam de ruptura assignificante. Enfim, ocorreram algumas mudanças. Na ruptura assignificante, os pontos de um mapa rizomático se une aos pontos de um desejo intencional, àquilo que há de comum com o desejo intensivo, estrangulando-o, transformando-o. É neste momento que as estruturas rígidas como o Estado, os microfascismos, o racionalismo, o ódio, o ressentimento é destruído em nós. Notei então que meus estudos dentro das ciências econômicas deveriam de alguma forma voltar-se ao feminino e a questão da mulher. E atualmente é assim que me vejo economista, como alguém que garimpa dentro das ciências econômicas, elementos que possam conjugar forças com o feminino, com este meu desejo intensivo e assim vou mudando o próprio jeito de enxergar, exercer as ciências econômicas. Aqui não importa as regras dos livro-texto de Economia ou os pilares da boa economia. Tudo isso há de se curvar e se ajustar a uma intensidade, dando origem a algo novo. E foi então que surgiu este programa que estuda os efeitos da EFKP sobre os corpos femininos segundo a teoria do caos que, de maneira surpreendente tem revelado uma espécie de “Economia da saúde da mulher” chamado por mim também de Economia diânica ou EcoDiânica. E neste sentido, reavaliou não apenas minha vida, mas aquilo que vinha escrevendo desde meados de 2005. Para minha surpresa, os conceitos de Microdiânica e Macrodiânica dizem que é totalmente possível e desejável trabalhar tudo isso em conjunto, ou seja, economia, ecologia e corpos femininos. Microdiânica seria o esforço, a tentativa de tentar entender como as decisões econômicas individuais podem afetar simultaneamente o corpo de Gaia e os corpos femininos. Neste campo buscaria entender como os preços, a determinação de preços, os vários tipos das empresas concorrer, os efeitos dos impostos, da publicidade e o próprio impacto da economia industrial sobre os corpos femininos. E Macrodiânica seria a tentativa de entender como os agregados macroeconômicos como crescimento econômico, desenvolvimento econômico, taxa de juros, exportações, criação e destruição de moeda, atuação de bancos comerciais etc podem afetar tanto o corpo de Gaia quanto o corpo da mulher e outros corpos femininos. E diânico, dentro das tradições neopagâs e da bruxaria se refere a exclusividade de culto ao feminino. Aqui, serve para enfatizar o caráter feminino desta nova prática no seio das ciências econômicas. Enfim, EcoDiânica seria o estudo em conjunto da economia, da ecologia, levando em consideração o corpo de Gaia, o corpo da mulher e outros corpos femininos. Trata-se de um conceito novo. Aliás, uma das características da prática esquizo é esta, a de criar novos conceitos.