Qual escala musical eu indicaria, caso você quisesse compor uma canção para sua companheira (o) autista. E sou compositor e gosto muito de compor usando os modos da escala maior (chamado também de modos gregos). A escolha do modo não é só sobre som, é sobre psicogeografia auditiva, sobre criar um espaço sonoro onde ela se sinta segura, compreendida e celebrada.
Baseado nas características comuns do autismo nível 1 (valorização da clareza, sensibilidade sensorial, apreço por padrões e profundidade), eis minha análise e sugestão:
A escala vencedora com certeza seria a escala Lídio
O modo Lídio é, na minha opinião, é o candidato mais forte e propício. Eis o porquê, numa análise técnica e emocional:
• Característica técnica: Trata-se de escala maior com o 4º grau elevado (#4). Ex: F Lídio = F, G, A, B, C, D, E.
• É perfeito porquê:
1. Ausência de “tristeza” inerente: Diferente dos modos menores, o Lídio não carrega uma carga melancólica óbvia. Ele é maior, mas não óbvio.
2. Sensação de “maravilha” e “curiosidade”: A #4 (nota B em F Lídio) é uma nota de tensão questionadora, mas não dissonante. Ela não resolve para baixo como uma blue note, nem cria o conflito de um trítono tradicional. Ela eleva, abre espaço, cria uma sensação de assombro positivo, de descoberta. Isso espelha perfeitamente a experiência de navegar uma mente neurodivergente — cheia de padrões interessantes e perspectivas únicas.
3. Clareza com complexidade: O Lídio soa familiar (é maior) mas intrigante (pela #4). Oferece uma complexidade que pode ser muito apreciada por um intelecto que aprecia profundidade e padrões, sem ser caótica ou sobrecarregante.
4. É “literal” em sua beleza: A progressão de acordes típica do Lídio (ex: F7M, G, Am7) não depende de subterfúgios emocionais ou ambiguidades. Sua beleza é aberta e clara, assim como a comunicação que você busca.
Menções honrosas (Ótimas alternativas ao modo lídio)
1. MIXOLÍDIO (Maior com 7ª menor – b7)
◦ É o modo do conforto e acolhimento. Soa caloroso, familiar (como um blues ou rock tranquilo), relaxado e não exigente. A b7 dá uma sensação de resolução suave, sem drama. É uma “conversa musical” fácil de ouvir.
2. DÓRICO (Menor com 6ª maior – 6)
◦ Se você quiser abordar temas de resiliência ou solidão de uma forma empoderadora, o Dórico é sublime. É um modo menor, mas a 6ª maior tira a carga de desespero e adiciona uma luz de esperança e força. É triste, mas otimista. Pode ser profundamente comovente se usado com cuidado.
3. JÔNIO (Escala Maior Natural)
◦ É a clareza absoluta. Às vezes, a declaração mais direta e genuinamente feliz, sem nuances complexas, é a mais poderosa. Uma melodia puramente Jônia, com letras literais, pode ser um raio de sol. O risco é soar muito “genérico” ou “açucarado”; a salvação estará na sinceridade da letra. No Jônio recomenda-se não não usar o grau V, no tom de C Jônio, não deve usar o acorde de Sol por exemplo)
Modo a ser EVITADO (nesse contexto inicial):
• FRÍGIO (b2, b3, b6, b7): O modo é ameaçador, sombrio e ansioso devido ao semitom entre a tônica e a segunda menor (b2). Pode evocar uma sensação de opressão e desconforto que é o oposto do que você deseja.
Conceito de composição: “A ponte lídia”
Sugiro uma estrutura que comece em Jônio (para estabelecer clareza e confiança), transicione e explore o Lídio (para expressar admiração pela singularidade e complexidade dela) e resolva em Mixolídio (para trazer a sensação de conforto, acolhimento e companheirismo tranquilo).
Exemplo em C:
• Introdução/Estrofe (Jônio – Clareza): C, F, G. Progressões simples e diretas.
• Refrão/Ponte (Lídio – Maravilha): F Lídio (F, G, Am, Bdim, C, Dm, Em). Use o acorde de Bdim (ou um D/F#) para destacar a nota B (#4 de F) de forma sutil e mágica.
• Conclusão/Ponte (Mixolídio – Conforto): Desça para C Mixolídio (C, Dm, Em, F, G, Am, Bb). A nota Bb (b7) trará a sensação relaxante e de “chegar em casa”.
Ao realizar isso, você estará arquitetando um espaço emocional seguro em forma de som. Você estará oferecendo um presente incomparável a sua parceira autista.